Há uma foto em que eu estou com seis, sete anos, em que eu olho o meu pai, que era muito alto, de baixo para cima, de mãos dadas. Há nessa foto um desassombro. Eu olho para cima completamente embevecido. Eu olho para cima, e nesse gesto há um reconhecimento completo de que sou devoto àquela pessoa. Sempre fui. Nada mudou. E parece nessa foto que estou à procura do olhar dele. E na foto não aparece o que o meu pai me devolvia sempre que olhava para ele. Faço a pergunta. Quando olhavam para ele? O que vos devolvia? Gentileza? Candura? Respeito? Há dois meses, por telefone, para me parar o choro que chorei por um devaneio de que o meu pai pudesse estar morto, ele disse-me "Está tudo bem", e como não parava, "Tens a vida pela frente, porque és bom". Estranhei na altura a ligação que o meu pai fez entre ter a vida pela frente e tê-la pela frente por ser bom. Foi de imediato, sem reflectir, que ele o disse. Terá a ver com achar que só tem a vida pela frente quem é bom? O...
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Carta de José Maria À Sua Amada Joana
Inspirado pelo heterónimo Maria José, de Fernando Pessoa, que tem única expressão numa carta ao seu amado António, escrevi eu uma carta de um tal de louco José Maria à sua amada Joana, imaginado por mim. " Senhora Joana, Quero escrever-lhe para que saiba que sei já de antemão o que possa pensar - não foi por si que o soube, que sei não ter maldade nenhuma - e que apesar de querê-lo com todas forças, por um momento, estar perto de si, não tentarei sequer falar-lhe. Pois que devo ter ensandecido mais. Lá em casa toda a gente diz que sou tonto. Que não tenho tino. Que sonho o impossível. E o sentido que têm eles nisto é certo, mas não gosto. Aos olhos deles sou tonto e sem tino e só sonho só agora, e isso sim me aflige, já que em nada mudei. Sendo ainda mais assim que agora a tudo isto se junta medo. Medo de que vá falar à senhora. Quero escrever-lhe e assim dizer à senhora Joana quem sou, sem lho dizer, pois nunca ...
M
Olhei para mim mesmo e vi abismo Vi glória ao virar da esquina Vi qualquer coisa que me escapa Porque o sou e não penso que o sou Vi-me a mim e vi-me triste Porque sou triste se não sou ao mesmo tempo que me vejo Porque não sou o que sou para os outros O que sou é bom de ser para os outros E tenho pena de não me ter para mim Quando me vejo a mim a olhar para mim triste E ter alguém que não eu A dizer que gosta muito de mim E nesse momento ser pleno Porque te tenho a ti.
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