Mensagens

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Para os tristes com a vida, para os que dançam na penumbra, para os que dançam sozinhos mas nunca com gente, para os que dançam só quando a pista de dança está vazia, para os que dançam por dentro, fervilham e afogam a vontade num copo, para todos que são uma só pessoa, deixo esta música: I used to go out to parties, and stand around 'Cause I was too nervous, to really get down But my body yearned to be free I got up on the floor, somebody could choose me No more standin' there beside the walls Finally got myself together, baby, and I'm havin' a ball Long as you're groovin', there's always a chance Somebody watchin' might wanna make romance Move your body, ooh baby, you dance all night To the groove and feel alright Everybody's groovin' on like a fool But if you see me, spread out and let me in Baby, just party high and low Let me step into your erotic zone Move it up, turn it 'round Ooo, shake it down Oww, you can love me when you want to, b

I Came to Your Party Dressed As A Shadow - Piano Magic

Vim à tua festa vestida de sombra Sem tu nunca saberes, nunca soubeste Deslizei pelos corredores como uma onda de veludo Tão calada quanto um palco vazio Escureci-te os olhos e roubei-te a luz do copo Mas ao raiar da manhã queda e fria Espraiei-me como um papagaio-de-morte na tua relva Vim à tua festa vestida de sombra Sem ser convidada, sem um motivo Arrumei a três ruas da lua A caminhada doce até tua casa num fio prateado Dançavas no jardim ao ritmo de uma lata Furtiva deslizei pelas notas Remetendo-as para a madrugada Isto é sintomático de nós os dois: Tenho cheios frascos do teu hálito Tenho conchas das tuas palavras Mas tu não tens nada meu Senão um espaço onde eu ficaria Tradução de letra da música I Came to Your Party Dressed As A Shadow dos Piano Magic

O Ventura é ditador

A coisa que mais me deu asco que o Ventura disse pode ser uma surpresa para alguns, já que ele prima por aí. A coisa que mais me deu asco foi ele ter descrito a pessoa que recebe este subsídio como a pessoa que o gasta em uísque e tabaco e drogas, como se fosse uma coisa reprovável e sobre a qual se queira ter controlo. E a coisa que mais me deu asco não tem nada a ver com ser a favor ou contra gastar o dinheiro que se recebe em uísque ou tabaco ou drogas, tem a ver com alguém querer limitar a liberdade de alguém gastar o dinheiro que tem em seja o que for o que lhe dá na real veneta. Isto deve enfurecer qualquer pessoa. Penso, como oposição a isto, no filme de João César Monteiro, em que a personagem João de Deus, ao receber uma quantia choruda oferecida por um louco, que, por ser em dinheiro vivo, torna-se a maquia ainda mais pujante, diz, sinceramente e malandro, que a vai gastar mal gasta. Engraçado que nunca até hoje tinha pensado nisto como mais do que uma piada. E no filme é o q

Blade Runner

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    " I've seen things... seen things you little people wouldn't believe. Attack ships on fire off the shoulder of Orion bright as magnesium... I rode on the back decks of a blinker and watched C-beams glitter in the dark near the Tannhäuser Gate. All those moments... they'll be gone... like tears in the rain. Time to die."      Esta é a fala final de um andróide no filme Blade Runner de que eu muito gosto. Como ele é algo de estranho a um humano, não intuímos isto como vindo de uma pessoa. Mas isto é o final de vida de qualquer pessoa que teve glória e que lamenta que o que viveu se vai perder. Não é a vida senão deixar memória de nós no mundo? Alcançar glória para lá de nós? Não temos todos nós perfeita noção de que a vida é transitória e de que temos de fazer obra? Sejam crianças, construir casas, plantar uma árvore ou simplesmente ser lembrado por quem fomos, seja o que for que demore um pouco mais a desaparecer.       E o facto de ele dizer que "vi coisa

Zorba, O Grego

     Passa-se numa ilha, Creta, em que os intervenientes são bem demarcados, o povo comporta-se como povo estanque, comportamentos em uníssono sempre. Só umas poucas personagens são caracterizadas. O terreno é árido. Tudo ali tem pouca vida. E o mar que circunda a ilha asfixia o espectador. Zorba, o grego, podia estar ali como podia estar em qualquer sítio, porque vai aonde a vida o leva. O inglês que lá vai, vai porque não importa onde está, nunca vive lugar nenhum. O inglês não vive. Vive na redoma em que os livros o cobrem. Zorba tira-lhe os olhos dos livros. E tentam um feito em conjunto.      Com este filme, não é suposto passar-se um bom bocado. Como digo, tudo é árido. Não há nada verde. Nem as árvores são verdes. Tudo está sempre quente. O que o filme quer dizer talvez seja que a vida é árida e que enquanto vamos em direcção ao fim, que arrisquemos viver, que arrisquemos tentar. Mesmo que falhemos. Tentar de novo. Que não nos resta senão tentar. Uma e outra vez. Que a vida não

OH, FADO! SO NICE

Engraçado isto. Até há pouco tempo, uma tez como a minha era suficiente para afastar um alemão, um inglês, um americano, etc. Um “pástéle de bacálau”, num esforço heroico de ajustamento vocal à língua do estrangeiro, dito a um deles pelo tasqueiro quando lhe perguntava o que era apontando para o pastel, bastava para afastar qualquer tipo de esperança de vir a comunicar por terras lusas. Era insuficiente para afastar outros que se estavam a lixar para isso, que só queriam tentar a sorte, mas esses não vinham, porque não havia os alemães, os ingleses, os americanos. Neste momento, a minha tez não é suficiente para os afastar, porque não vêm sozinhos. A minha língua pouco importa porque inglês é a língua franca. Vêm apesar de mim. E nisto está o lisboeta, agrilhoado à solta, como num safari. Os animais do safari sabem que estão num safari? Ou chamam-lhe natureza? Mas não é a natureza. É um safari. A história é escrita pelos vencedores. E nós, lisboetas, já não mandamos em nada nesta cidad

Um Homem Tranquilo - John Ford

     É muito estranho que este filme tenha sido feito. E é estranho não porque é antigo, não porque é datado, o filme não tem um senão: é tão estranho assim porque nos afastámos tanto de um mundo em que filmes destes existam e sejam feitos e também porque não parece o seguimento da História. Seja do cinema, seja dos costumes, seja do que for que este mundo é e que este representado no filme não tem.      O antónimo de mundo é imundo. E neste filme é tão claro que este do filme é um verdadeiro mundo, impoluto, casto mesmo no vício e na errância.       O filme começa por um homem regredido à infância. E volta a casa. E depois eles vêem-se. Pode dar a impressão ao ver o filme que acontece um “amor à primeira vista” entre os dois protagonistas. Não creio em nada que possa sustentar-se por um olhar mágico. Acho mesmo que esse olhar mágico, quando se se apoia muito nele, acontece porque, no fundo, a relação tem pouco em que se sustentar. E não é o caso. Ou nunca é o caso. E esta relação é ci
O dia de hoje é cinzento Como podia não ser? Tem cravado um lamento E uma mãe manda chover Oh, Nohinha... A quem o evoca A lágrima boa Logo convoca  E da vista coa Não há sol  Não há Noah Resta-nos o sal Que nos abençoa

Os pássaros e os velhotes

Há coisas que se mantêm de geração para geração. Ver isso em prática trouxe-me tranquilidade. Cresci a ver velhotes a darem comida a pássaros. Quando era miúdo e assistia a isto, o velho que vi hoje dar comida a pássaros tinha 40 como eu agora.  Ele tem agora 70 e dá também comida a pássaros, como esse velho de 70 que assisti dar comida a pássaros há 30 anos.  Se transpusermos isto para tantos actos, tradições, vontades, traz-me uma grande tranquilidade. Também porque sinto que o mundo está a mudar muito à minha volta. Mas há muita coisa que não muda. Os pássaros todo o dia, nas traseiras de minha casa, esperam pacientemente pelas migalhas do almoço, do lanche, do jantar do velhote. Pássaros pequenos, maiores e maiores ainda, todos esperam pacientemente por estes velhotes. Os vindouros pássaros filhos dos pássaros filhos dos pássaros, nas traseiras da minha casa, algures na minha cidade, esperarão pacientemente por mim, quando tiver 70 anos, para lhes dar migalhinhas do meu lanche. Lá

Retomando o tema do futebol.

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Retomando o tema da inveja de muitos: Um triste é triste porque não consegue ser alegre. Um chato é chato porque não consegue interessar. Um imbecil é imbecil porque não sabe ser inteligente. Um pobre é pobre porque não consegue ser rico. Não o contrário. E vocês todos que são bombeiros, agentes mobiliários, actores, escritores, etc. , são-no-lo porque, em primeiríssimo lugar, não tinham jeito para a bola.  Tangas à parte, é isto.

Para as "Pessoas" de um Pessoano

 Vou falar sobre a não-individualidade dos betos e da individualidade que as pessoas que identificam os outros como betos reclamam para si.  Sempre vi chamarem-me de beto como um insulto. E passo a explicar porquê. Nesta merda letárgica, sofredora e cómica de ser Tiago, nunca vi nenhum beto que se me assemelhasse. Mas quando mo chamam, enfiam-me num saco. Até há pouco tempo percebi que o que mais me chateava não era o saco onde me metiam, era o facto da pessoa que o dizia achar de si própria que não tinha saco nenhum em que se meter, que para ela era reservada toda a complexidade de ser simplesmente pessoa. Mas foda-se se não sou pessoa também, com toda essa complexidade inerente. 

O gordo vai à baliza

 Hoje ouvi uma frase sábia dita no seguimento de uma conversa que por ter seguido como seguiu e acabado lapidarmente com esta frase, deu-lhe uma profundidade gigante. A frase é "Não podemos ser quem não somos", dita por Natalia, mulher de Soljenítsin. E acrescentaria que não podemos pedir a ninguém que seja algo que não é. E isto vale para tanta coisa.  E há pouco estive a ler um justiceiro, falar sobre tanto tema da actualidade, tipificando o "tuga" como o estúpido comezinho que só sabe ver e falar de bola, pouco mais para além disso. Farto de justiceiros. Farto dessa ideia colectiva do que é o português, Portugal não é senão uma ideia colectiva da qual faço parte no particular. Partir do colectivo para o particular-colectivo tipificando o português só lhe retira toda a complexidade.  Tou farto da simplificação para chegar a um argumento, para facilitar uma ideia. Temos de ser particulares. Temos de não ter medo de sermos particulares. E sim, sob pena de ninguém no

1984 e os tempos autocráticos que virão

       Li o 1984 adolescente. Quando me apercebi do que estava a ler, já era tarde demais, tinha de o ler até ao fim. Foi assustador. Houve partes que tive de saltar, tal era a angústia.       A única coisa que este estado autocrático não tinha eliminado era a capacidade de duas pessoas se amarem. Quando vi que se ia falar de uma história de amor, a esperança renovou-se e continuei a ler. E o horror começou novamente a instalar-se na história. Saltei uma grande parte do fim, a mais cruel, acho. Li o fim. Derrota total. E durante anos tive medo disto. Do Big Brother, da capacidade humana de ser tão cruel que consegue controlar tudo e todos através de medo e submissão.      E só muito depois, muito muito depois, acalmei. Pois é. Não vivemos o 1984. Vivemos um mundo em que o 1984 foi escrito. Esta é a grande vitória de Orwell. Criou uma vacina.       E desenganem-se quem pensar que uma vacina impede uma doença de existir.  Só que existem defesas a estes ataques. E é mesmo possível que est

Texto perdido

O meu amor tenta-me controlar.  Parece que tenta, através da não individuação, diluir-se. Não somos nós que nos diluímos, é só ela.  Pelo contrário, afasta-me a mim, faz-me sentir mais a minha vontade. E parece que tem medo da minha vontade.  Que é estar com ela.

Línguas

     Mais do que tudo o que nós possamos saber em quantidade, mais do que o acumular de conhecimento, interessa como o usamos. E isto não é nada fácil de saber, não porque eu ou qualquer outra pessoa - vou-me dar ao luxo de dizer isso, porque acredito que é assim - tenha chegado ao ponto de acumulação de sabedoria em que acha que não precisa de mais, mas porque quem entende isto precisa de se ter libertado dessa avidez. É como aprender uma língua e usar uma língua. Não há nada nas duas coisas que se ligue.

Vertigo (de Alfred Hitchcock) e M.

Revi este filme há uns anos na esplanada da Cinemateca. Uns idiotas riam-se, achavam a música piegas, tudo piegas. Irritou-me solenemente. Não entender a fragilidade da personagem central deste filme é não perceber a nossa própria fragilidade. E não perceber isto é não perceber nada. Um homem apaixona-se. Um homem perde em circunstâncias tenebrosas a amada. O homem tem uma segunda oportunidade. E desta vez ela morre de facto. Quantas vezes numa vida podemos renascer de situações destas? Poucas. Acontece-lhe um milagre. E depois o milagre é-lhe sonegado. É a maior das tragédias. E a música, que aqueles idiotas acharam piegas, é, para aqueles que acompanham a história de facto, apenas as notas do sentimento desbragado, do que tem de invisível, do que roda no coração, do que se irradia quando estamos apaixonados.  Hitchcock não era um homem romântico. Se havia coisa que ele queria era ter para si as actrizes todas que passaram pelos filmes dele, se há coisa que se vê nos filmes dele é iss

Quadra para acompanhar ramo de flores

São para ti, meu amor Flores do meu jardim Que te levem toda a dor De estares longe de mim

Texto perdido

  O sorriso dela é de criança, do que a criança tem de puro, de bom. A vida tirou-lhe a facilidade em o mostrar. Mas não lhe tirou o sorriso. De criança. Às vezes, pergunta alguma coisa também cheia de ingenuidade. De criança. E apetece-me a mim ser criança também e responder com aquele peito cheio, de quem sabe. Mas como uma criança. Pelo meio tornamo-nos adultos e esquecemo-nos de confiar cegamente. Quero dar-lhe a mão e ser o primeiro namorado dela. O primeiro. E único.

Quadra para ela

     Toma esta flor      Que há-de morrer     Como eu de amor     Se não te puder ter

Elliott Smith - Somebody that I used to know

I had tender feelings that you made hard But it's your heart, not mine, that's scarred So when i go home, i'll be happy to go You're just somebody that i used to know You don't need my help anymore It's all now to you, there ain't no before Now that you're big enough to run your own show You're just somebody that i used to know I watched you deal in a dying day And throw a living past away So you can be sure that you're in control You're just somebody that i used to know I know you don't think you did me wrong And i can't stay this mad for long Keeping a hold on what you just let go You're just somebody that I used to know  

Melhor É Impossível

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Catarina pede um elogio depois de Tiago a ofender brutalmente. Tiago promete um elogio, mas não sem antes pedir dois pregos e duas imperiais.    TIAGO Mal passados? CATARINA Pode ser. TIAGO  (grita) Mal passados CATARINA Tenho tanto medo que vás dizer mais coisas horríveis. TIAGO Não sejas pessimista. Não é o teu estilo. Aqui vai...  Eu tenho esta... quê? Condição... E o meu terapeuta - um psicólogo - que costumo ver... ele diz que na minha situação arriscares para te sentires vivo ajuda. Eu odeio arriscar. Odeio mesmo. É uma coisa perigosa, arriscar. Nota que estou a usar a palavra odiar. E o meu elogio, a ti, Catarina Trindade, é que desde que te conheço que, bem,  mal durmo, ando às voltas na cama, não tenho sossego, não como, tudo por tua culpa... CATARINA  (confusa) Não percebo qual é o elogio... TIAGO Tu fazes-me querer estar vivo.     Catarina fica embevecida. EMPREGADO DE MESA Olhós preguinhos, um para a senhora e um para o senhor!                                E duas imperiai

Esplendor na Relva

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    O filme chama-se Splendor In The Grass.        É estranho, mas tenho tão pouco a dizer, parece, sobre este magnífico filme. É tão bonito. É importante dizer que ter pouca coisa a dizer sobre este filme diz muito sobre mim e pouco sobre o filme. O filme poderia gerar as mais belas homenagens, mas quando eu estou perante o imensamente belo, a melhor forma que encontro de o respeitar é ficar mudo e contemplar. Dado que não posso mostrá-lo e que a ideia aqui é emular o filme em palavras, vou tentar o meu melhor para que, pelo menos, tenham a curiosidade de ir ver o filme, sendo que aí o filme fará o seu trabalho e vos arrebatará, tenho a certeza.     Não posso falar sobre as minudências do filme. Mas posso dizer que é sobre um rapaz e uma rapariga a caminho de se tornarem homem e mulher. Que nunca vi amor tão puro, tão genuíno como o que eles sentem um pelo outro. Que nós amamos Deanie, mas nunca ousamos sequer querer tirar o lugar a Bud, porque ela é dele e ele é dela. Não tomamos as

Sobre as nossas limitações

            Quero falar sobre o que nos é proibido. O que eu queria dizer é que nestas coisas que nos limitam as possibilidades de acção, o mais difícil de tudo é aceitar a própria limitação. Eu posso passar uma vida inteira sem comer, sei lá, avelãs, mas se me disserem que não posso comer avelãs a minha vida inteira, então só quero avelãs. E o que eu tenho a dizer é: avelãs não são assim tão boas. É a "satisfação" de comer uma coisa que me é proibida que é boa. É fome do proibido. Assim como não pode existir vida sem a possibilidade de suicídio e sem a possibilidade de morrer, não podemos viver sem a possibilidade de provarmos o proibido ou de alguma coisa nos poder ser proibida. Não podemos viver provando a morte, mas podemos prová-la uma vez. Se é que a provamos. E é engraçado... Quase toda a gente aceita essa suprema limitação, de que não podemos provar a morte e continuar vivos.   Mas já as avelãs? As pequenas coisas que nos são proibidas? São muito mais difíceis

Conto em construção (II)

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         Chegado ao quarto, tinha as cartas do tal Alexandre sobre a secretária. Pousou as malas, foi ver a revista de poesia da escola e confirmou que havia um rapaz que assinava com esse nome. Apressou-se a abrir as cartas. Na primeira que abriu estava a foto de uma bela rapariga. Dizia:           “Pedro,      Atrevo-me a escrever-te desde aqui de longe, e só assim me atrevo. Conheço de cor os teus versos. Sou uma profunda admiradora deles. Julgo conhecer de cor os teus olhos.      Vi-te no Liceu sem nunca te conseguir falar.      Sou eu Maria Alexandra Soares Paes (Alex Campos é o meu nome de pena), nascida em Lisboa, São Domingos de Benfica. Nasci temerariamente, mas boamente entrei neste mundo. Não julgo saber nada de nada. Vivo na angústia de ter de saber não sabendo. Assim me apresento a ti. Sei que sou tua. Dispõe de mim como quiseres. Alexis” Era uma rapariga que se declarava. Abriu a segunda carta onde estava escrito: “Pedro, Soube que só lerás estas cartas lá para o final

Conto em construção

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     Quando Pedro ouviu a sua voz pela primeira vez saída de si mesmo, apercebeu-se de como lhe era estranho como os outros o entendiam. Foi num gravador de voz. Cantou. E apercebeu-se de como o seu sotaque não era tão americano assim, de como a sua voz não era tão bonita assim, e não fosse ele lembrar-se exactamente do que tinha dito e de como, e pareceria outro. Depois, numa gravação de vídeo, viu o seu corpo em movimento. Percebeu que pouco controlava o que lhe era externo. E começou a perguntar-se "Quem sou eu?" e sentia um vazio. Não porque ele fosse nada, mas porque ele não era o que controlava, ele era o interno, ele era o imaterial. Uma pedra é, uma pedra é arremessada, uma pedra existe. Também ele era, também ele era arremessado, também ele existia: mas partido, não havia plenitude. E pensava muito. Tanto que a acção deixou de estar ligada intimamente ao que pensava fazer. E escrevia. Escrevia para ver de fora o que lá ia dentro. E passou a ver-se muito ao espelho,

Olivia De Havilland novamente

  Se A Herdeira é um filme brilhante, que dizer de A Minha História ( Hold Back the Dawn) ? Mais uma vez são assunto os inocentes e os injuriados. Explicar porque gosto deste filme é um pouco como explicar uma memória de grande afecto nossa. De um momento em que amámos. Por mais razão que se ponha na explicação, não é com ela que vamos lá. O afecto é indizível. E eu sinto um afecto incomensurável pela memória que tenho da Emmy Brown.   A Emmy Brown está apaixonada. A Emmy Brown só se quer casar. A Emmy Brown foi enganada a isso. E pelo meio, o facínora (o actor Charles Boyer) enobrece-se. Pelo meio, alguém muda. Alguém muda. Com o tempo, as pessoas vão-se conhecendo. Com o tempo, pouco mudam. Tornam-se resistentes à mudança. Mas há quem seja areia de praia e não rochedo. Há quem nunca se defina. Quem fique no limbo e ninguém os conhece verdadeiramente. Nem eles a si próprios. Por isso, muitos dizem que as pessoas não mudam. Mas mudam se abrirem constantemente a porta à muda

O Feitiço do Tempo (Groundhog day) e o Xadrez

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   [ TEXTO PUBLICADO NA AXL - o pedido era que falasse sobre cinema e xadrez ] Vou falar mais uma vez sobre xadrez e sobre um filme que nada tem a ver com xadrez. Aparentemente. Tenho de fazer a minha defesa. O xadrez não é simplesmente um tabuleiro com peças. Não é simplesmente saber fazer a melhor jogada. Não é simplesmente aprender com os erros. Não somos máquinas. E não é simplesmente ganhar um jogo. Gosto muito de xadrez. Apela ao meu lado competitivo. E gosto muito de cinema, sendo essa a minha grande paixão. Pediram-me um texto para publicar na AXL que se calhar não é o mais adequado. É o texto que eu tenho. Se se ajusta digam-me vocês. O filme chama-se “O Feitiço do Tempo” (“Groundhog Day”, 1993; Realização:   Harold Ramis; História: Danny Rubin; Argumento: Danny Rubin e Harold Ramis; Actores: Bill Murray, Andy MacDowell, Chris Elliot). O que acontece no filme é que o protagonista fica preso no mesmo dia. O mesmo dia parece repetir-se. As mesmas acções repetem-se da parte

Em torno de Pessoa

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     Poema que escrevi em torno de uma admirável quadra de Fernando Pessoa a propósito de um conto que estou a escrever. A quadra dele é para mim evidente qual é, visto que todo o resto do poema é uma tentativa de elevar essa quadra mais alto, só conseguindo construir um suporte que acho que não o engrandece. A quadra magnânima dele é a do moinho de café. Tudo o resto é meu, mas em torno de Pessoa, levado por ele a imaginar como poderia ele escrever outras quadras fosse não só aquela linda quadra estar sozinha. Exercício Pessoano  O alambique de aguardente Destila bagaço e faz dele ouro. O ouro líquido que não mente Que torna tudo nada duradouro.  A trituradora de tabaco   Desfaz folhas e faz dele fumo.  O fumo da memória qu’ataco  Que da treva escura exumo       O moinho de café  Mói grãos e faz deles pó.  O pó que a minh’alma é  Moeu quem me deixa só.  Absorto no Martinho da Arcada   Trago um cigarro e no meu café um cheiro  Entrevejo, ao longe, uma saia encarnada  Traço de ti, cedo

O porquê do nome deste blog

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            Míchkin é a personagem principal do romance O Idiota de Dostoiévski. Não consegui parar de o ler. Nunca mais o reli, infelizmente. Ando a adiá-lo há muito tempo porque o ofereci e nunca mais o voltei a comprar. Li aquele calhamaço em dois dias. Dia, noite e madrugada. Não parei. Míchkin é um idiota (termo neste tempo dado aos que tinham muitas ideias), tem muitas ideias e acredita nelas piamente. O problema é que ele não olha a quem as diz. Diz com a mesma ingenuidade o que lhe vai na alma ao carniceiro como diz aos seus amores.       Míchkin não deixou descendência. Daí o título. Somos nós a sua prole. Somos filhos de Míchkin. Vimos dessa linhagem dos que dizem o que lhes vai na alma. E sofremos com isso, sim. Mas dizemo-lo porque não há como não o dizer. Porque é de nós.

Uma hora de Albatross, pelos Fleetwood Mac

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Peter Green, um grande músico e guitarrista, compôs esta música. Esteve no topo das vendas durante algum tempo. Por duas vezes e em alturas distintas.

James Gray. Porque sim.

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  Conversa entre pai e filho, sendo eu a criança. - Filho, gostas do James Gray? - Gosto muito.   - Porquê, filho? - Porque sim. - Gostas dos filmes dele? - Muito. - Então e porque não vêem as pessoas os filmes dele? - Não sei. - Mas tu gostas. - Sim. Muito.  A força do "porque sim" duma criança é subestimada. É enorme. E eu gosto muito do James Gray. Porque sim.

Sou um livro aberto

     Sou um livro aberto      Sou um livro aberto com algumas páginas rasgadas,      á procura de quem me ajude a encontrá-las,      a encontrar-me,       a arrumá-lo,      a arrumar-me.

Prémio Nobel

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I Want You The guilty undertaker sighs, The lonesome organ grinder cries, The silver saxophones say I should refuse you. The cracked bells and washed-out horns Blow into my face with scorn, But it's not that way, I wasn't born to lose you. I want you, I want you, I want you so bad, Honey, I want you. The drunken politician leaps Upon the street where mothers weep And the saviors who are fast asleep, They wait for you. And I wait for them to interrupt Me drinkin' from my broken cup And ask me to Open up the gate for you. I want you, I want you, Yes, I want you so bad, Honey, I want you. Now all my fathers, they've gone down True love they've been without it. But all their daughters put me down 'Cause I don't think about it. Well, I return to the Queen of Spades And talk with my chambermaid. She knows that I'm not afraid To look at her. She is good to me And there's nothing she doesn't see. She knows where I'd like to be But it doesn't matt

Olivia de Havilland

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     O filme é o The Heiress (A Herdeira). É a preto e branco e é tão preto e tão branco. A protagonista é tão inocente numa primeira parte e tão amargurada numa outra. Mas mesmo muito inocente e mesmo muito amargurada. Conseguem imaginar isto? O vosso filho, neto mais inocente tornado amargurado? A vossa amiga de adolescência mais inocente? Tornada amargurada? Só os grandes vilipêndios provocam isto. Só as grandes tragédias.      A pessoa que quero evocar é a Olivia de Havilland, que morreu no ano passado, aos 104 anos. Que nesse filme batalha pelos inocentes e pelos amargurados. Pelos caídos em desgraça. E ela fá-lo com tanta nobreza. Com tanto amor por eles. E é por isso que durante todo o filme só a queremos ver. Não porque no filme ela é inocente, não porque no filme ela é amargurada. Só a queremos ver porque ela é a pessoa que está para além daquela história, porque ela é quem, através daquele meio, traz dignidade ao que é ser humano. E daí vem o amor pelos actores e actrizes. Po

A probabilidade do milagre

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          Hoje dizia-se que ia chover com mais de 90% de probabilidade. Fui passear e até chegou a fazer sol. Dizia que indubitavelmente entre as 10 e as 17 choveria. Não choveu. A probabilidade não fez nada pela velhota ganhar na roleta duas vezes seguidas no zero, na história O Jogador  de Dostoiévski. Nem por perder tudo de seguida.   A probabilidade rouba-nos a ideia impreterível de que o mais improvável é tão provável quanto o mais provável.   Prefiro acreditar em milagres. Peço-os às vezes. Peço mesmo. Não os controlo. Mas vejo-os acontecer. 

Glória

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 A morte (NÃO TE) há-de matar. A vida (NÃO) prossegue sem ti. É preciso (NÃO) aceitá-lo. Tem que haver um quanto de alma nisto, um quanto de pouco científico, um quanto de ignorância, qualquer coisa de imaterial (a matéria é tão pouca), qualquer coisa que não podemos saber com a razão.
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 Toda a minha vida foi só sonho. Por isso, não sei o que pareço aos outros. Porque eu sou só sonho. Sonhos meus que ninguém vê nem sente, a não ser eu. Os outros perceber-me-ão como alguém que fala durante o sono. Pouco sentido faz para elas. Eu faço pouco sentido. E no dia seguinte, quando acordo, perguntam-me o que sonhei. Porque ouviram isto e aquilo durante o meu sono. Mas quando é assim, nunca se acorda verdadeiramente. Eu sou só sonho.

Falar a mesma língua

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 Hoje lembrei-me do filme Ghost Dog do Jim Jarmusch. Lembrei-me dele a propósito da linguagem. De como a percepcionamos, de como ouvimos um som, de como o internalizamos e digerimos. No filme, há duas personagens que não falam a mesma língua mas comunicam-se. Não fazem esforço por cada um entender a sua língua, mas entendem-se. Só através do gesto. E nem estou a falar de um gesto óbvio como apontar ou mimicar. Não, eles entendem-se porque, como diz a expressão idiomática, "falam a mesma língua", e isto não tem nada a ver com língua. E se transpusermos isto para a vida, não teremos mais facilidade em encontrar alguém? Não alguém que fale na nossa língua, mas alguém que "fala a mesma língua".

Amor, ausência e Paris, no Texas

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 Li algures que nunca alguém será tão amado quanto será lamentada a sua ausência. Pensei no filme "Paris, Texas" como exemplo disso. Não revi o filme para dizer isto. Parece-me, do que me lembro, que a pessoa amada, Natassja Kinski, é vítima de um ciúme horrendo que nos diz que mesmo enquanto se amam a ausência se pode tornar insuportável e maior do que a própria fruição do amor. A ausência dela para ele é insuportável e leva-o a uma vida de indigência. No final do filme, percebe que o problema sempre foi a maneira dele de amar e retira-se da equação. Parece que o tempo que passou a deambular pelo deserto, como o vemos no início do filme, serviram-lhe para essa revelação.  Mas se a ausência é maior do que a presença, é sobretudo porque temos memória da presença. É sempre a presença, é sempre o corpo, é sempre a imanência. E é engraçado como a memória nos serve, de como ela se torna carne, porque mesmo que já não nos lembremos de nada do que nos faz sofrer, sofremos já indepen

Hitchcock e Lynch

O que é que têm Alfred Hitchcock e David Lynch em comum? Ambos se debruçam sobre o horror. Pegando neste filme de Hitchcock em vídeo representado, North by Northwest, e no filme Blue Velvet, de David Lynch, ambos falam de uma aparente normalidade visitada pela bizarria para depois nos devolverem uma nova normalidade. Mas no caso de Hitchcock, nunca essa bizarria vence sobre as suas personagens, pois elas saem sempre mais fortes. E há uma ideia que prevalece nos filmes de Hitchcock, a ideia de que o amor dá um sentido à vida, e que quando ela parece ter menos sentido, o amor aparece como apaziguador e reconfigurador da vida. Em Lynch, a normalidade é devastada pelo grotesco e nunca mais volta a ser a mesma. Em Blue Velvet, o mal vence. E não é por acaso que no fim do filme, vemos um pássaro a comer um insecto e nos é dada a ideia de que a vida é bela também por isso. Como se a bizarria fizesse parte do belo, ou o Diabo tivesse alguma coisa a dizer sobre o bem. Mas não. O belo é o oposto