Considerações sobre ECCE HOMO

 Em Nietzsche, como nunca com Pessoa, não importa tanto o que se lê, importa a violenta transformação que ocorre aquando da leitura. Li ECCE HOMO e fui violentamente transformado, como não tinha sido com Pessoa. Se em Pessoa encontro uma continuação de mim, em Nietzsche sou abanado, sacudido, não sei já quem sou e, contudo, feliz em não o saber. É uma sacudidela existencial, como não podia deixar de ser o que profetiza, com os seus textos, toda uma nova forma de Homem que começa. Nisto, não pode não ser louco. Não pode não ser louco o profeta, como não pode ser o que vê num mundo de cegos. Nietzsche não é ainda o que vê, é o que diz que podemos vir a ver ver. Ele não é Zaratustra, ele circunscreve-o. Imagina-o falar, mas não é ainda ele. Não é Nietzsche que há-de ser entendido nos séculos mais adiante, que ele tanto pede para conhecer -- esses leitores que ele atribuiu, pela faculdade do tempo passado, existirem passado esse tempo --, é Zaratustra que virá a existir comummente, entre nós, pelo que com o desaparecimento tanto de Zaratustra (o recolhimento) como com o desaparecimento de Nietzsche, há um pedido de ressuscitamento dos mesmos em nós. É em tudo isto semelhante a qualquer profeta. Após tudo ensinarem, recolhem-se no silêncio (de morte). Após tudo ensinarem, recolhem-se na morte, convictos de que serão ressuscitados. E como podemos ouvir o silêncio depois desses gemidos agonizantes? Dessas almas que pedem para as irmos buscar ao mundo dos mortos? Como tão facilmente nos convencemos de ser isso possível é tão só na mesma medida em que o pedido parece ser feito com extrema convicção e tudo em nós se sacode e julga possível o impossível, porque se há sítio em que Nietzsche quer ser ressuscitado é em nós. É a ideia insidiosa e ao mesmo tempo e na mesma medida maravilhosa e justa.

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