Há uma foto em que eu estou com seis, sete anos, em que eu olho o meu pai, que era muito alto, de baixo para cima, de mãos dadas. Há nessa foto um desassombro. Eu olho para cima completamente embevecido. Eu olho para cima, e nesse gesto há um reconhecimento completo de que sou devoto àquela pessoa. Sempre fui. Nada mudou. E parece nessa foto que estou à procura do olhar dele. E na foto não aparece o que o meu pai me devolvia sempre que olhava para ele. Faço a pergunta. Quando olhavam para ele? O que vos devolvia? Gentileza? Candura? Respeito? Há dois meses, por telefone, para me parar o choro que chorei por um devaneio de que o meu pai pudesse estar morto, ele disse-me "Está tudo bem", e como não parava, "Tens a vida pela frente, porque és bom". Estranhei na altura a ligação que o meu pai fez entre ter a vida pela frente e tê-la pela frente por ser bom. Foi de imediato, sem reflectir, que ele o disse. Terá a ver com achar que só tem a vida pela frente quem é bom? O...
Olhei para mim mesmo e vi abismo Vi glória ao virar da esquina Vi qualquer coisa que me escapa Porque o sou e não penso que o sou Vi-me a mim e vi-me triste Porque sou triste se não sou ao mesmo tempo que me vejo Porque não sou o que sou para os outros O que sou é bom de ser para os outros E tenho pena de não me ter para mim Quando me vejo a mim a olhar para mim triste E ter alguém que não eu A dizer que gosta muito de mim E nesse momento ser pleno Porque te tenho a ti.
Esplanada de Campo de Ourique gerida por duas francesas. Estou eu em meditações sobre nunca ter pedido nenhuma Lisboa assim. Mal saí de Portugal. Sabia onde queria estar. Gostava desta cidade. Gostava quando não era polida. Quando não sabia receber. Quando era portuguesa. Nisto chega uma dondoca de meia-idade de Campo de Ourique ao café. Pede um gelado. Para a mãe. Tem um cão com ela. Chama-se Prego. Tudo isto sei pela interacção que tem com um rapaz que também tem um cão. Cachorro. Vai ficar cá. Porque é francês e porque o cão é cachorro. A senhora diz que o cão é mau mas que com este se dá bem. Diz que estranhamente. À minha frente tenho um senhor inglês curioso que pede a ementa toda. Sei que está de passagem, porque também comprou uma camisa que só compram as pessoas de passagem e porque pede a ementa toda. Sei que é curioso porque lhe despertei a curiosidade. Ele também me desperta a mim. Ele é um típico english man velho. Tem um chapéu que um inglês usaria em ...
Muito bom.
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