O Feitiço do Tempo (Groundhog day) e o Xadrez
Vou falar mais uma vez sobre xadrez e
sobre um filme que nada tem a ver com xadrez. Aparentemente. Tenho de fazer a
minha defesa. O xadrez não é simplesmente um tabuleiro com peças. Não é simplesmente
saber fazer a melhor jogada. Não é simplesmente aprender com os erros. Não
somos máquinas. E não é simplesmente ganhar um jogo. Gosto muito de xadrez.
Apela ao meu lado competitivo. E gosto muito de cinema, sendo essa a minha
grande paixão. Pediram-me um texto para publicar na AXL que se calhar não é o
mais adequado. É o texto que eu tenho. Se se ajusta digam-me vocês.
O filme chama-se “O Feitiço do Tempo”
(“Groundhog Day”, 1993; Realização:
Harold Ramis; História: Danny Rubin; Argumento: Danny Rubin e Harold
Ramis; Actores: Bill Murray, Andy MacDowell, Chris Elliot). O que acontece no
filme é que o protagonista fica preso no mesmo dia. O mesmo dia parece
repetir-se. As mesmas acções repetem-se da parte dos outros. Inicialmente, é-lhe
estranho. Não aceita a limitação que lhe é imposta. Cai duas ou três vezes na
mesma poça, nos primeiros dias. Reage inicialmente não se adaptando, não
aprendendo, fazendo os mesmos erros. Depois, começa a ver maneiras de tirar
partido de o dia ser sempre o mesmo. Inicialmente o que procura são os prazeres
da carne mais imediatos. Depois, diversifica. Interessa-se por outras pessoas.
Há uma altura em que desiste porque, enfim, quem é que pode viver com a
perspectiva de só viver o mesmo dia? Não tem gozo pela vida. Perde a vida de
várias maneiras, tenta de tudo para morrer. Mas volta a acordar no dia seguinte
na mesma. Há aqui um importante factor. O dia repete-se só aparentemente.
Porque ele é um factor de mudança. E quando ele altera seja o que for, todo o
dia se transfigura, como não podia deixar de ser. Portanto, o dia é o mesmo só
aparentemente. A certa altura, ele começa a ter gosto na limitação que lhe é
imposta. Ele faz o melhor possível com o que lhe é dado. Tira partido da
limitação. E só quando o protagonista está livre do ego e se rende
completamente, só quando ele tira mais partido do dia que se lhe repete, é que lhe é permitido ultrapassar esse dia.
O jogo chama-se xadrez. O que
acontece no jogo é que o xadrezista fica preso no mesmo jogo de xadrez. O mesmo
jogo parece repetir-se. As mesmas acções repetem-se da parte das brancas.
Inicialmente, é-lhe estranho. Não aceita a limitação que lhe é imposta. Cai
duas ou três vezes na mesma poça, nos primeiros dias. Reage inicialmente não se
adaptando, não aprendendo, fazendo os mesmos erros. Depois, começa a ver
maneiras de tirar partido de o jogo ser sempre o mesmo. Inicialmente o que
procura é o prazer do xeque-mate mais imediato. Depois, diversifica.
Interessa-se por outras peças. Há uma altura em que desiste porque, enfim, quem
é que pode viver com a perspectiva de só jogar o mesmo jogo? Não tem gozo pelo
jogo. Desiste do jogo de várias maneiras, tenta de tudo para perder. Mas é
forçado a jogar o mesmo jogo na mesma. Há aqui um importante factor. O jogo
repete-se só aparentemente. Porque o xadrezista é um factor de mudança. E
quando ele altera seja o que for, todo o jogo se transfigura, como não podia
deixar de ser. Portanto, o jogo é o mesmo só aparentemente. A certa altura, ele
começa a ter gosto na limitação que lhe é imposta. Ele faz o melhor possível
com o que lhe é dado. Tira partido da limitação. E só quando o xadrezista está
livre do ego e se rende completamente às limitações do jogo, só quando ele tira
mais partido do jogo que se lhe repete, é que lhe é permitido ultrapassar esse
jogo.
Há aqui inúmeras extrapolações que se
podem tirar. Experimentem ver o filme e pensar se não tem tudo a ver com
xadrez, com a aprendizagem do jogo, com aquela sensação que por vezes temos de
ter atingido um estado de equilíbrio perfeito entre defesa e ataque. Do almejar
um estado zen. Para mim, é uma alegoria que se ajusta.
É uma comédia brilhante. E é um jogo
fascinante.
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