Conto em construção

    

Quando Pedro ouviu a sua voz pela primeira vez saída de si mesmo, apercebeu-se de como lhe era estranho como os outros o entendiam. Foi num gravador de voz. Cantou. E apercebeu-se de como o seu sotaque não era tão americano assim, de como a sua voz não era tão bonita assim, e não fosse ele lembrar-se exactamente do que tinha dito e de como, e pareceria outro. Depois, numa gravação de vídeo, viu o seu corpo em movimento. Percebeu que pouco controlava o que lhe era externo. E começou a perguntar-se "Quem sou eu?" e sentia um vazio. Não porque ele fosse nada, mas porque ele não era o que controlava, ele era o interno, ele era o imaterial. Uma pedra é, uma pedra é arremessada, uma pedra existe. Também ele era, também ele era arremessado, também ele existia: mas partido, não havia plenitude.

E pensava muito. Tanto que a acção deixou de estar ligada intimamente ao que pensava fazer. E escrevia. Escrevia para ver de fora o que lá ia dentro. E passou a ver-se muito ao espelho, como que a confirmar que tinha matéria, que existia. Porque para ele o que existia era o prado verde com as ovelhas a pastar e o pastor de cajado na mão. O que para ele existia era o Castanho, o boi que lavrava a terra. Ele existia para confirmar que existiam, mas nem por isso ele existia. Nem por isso eles sabiam existir. A realidade existia, com ele ou sem ele. "Mas o que é isso de existir?", e sentia o tal vazio e ia ver-se ao espelho.


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