Se uma formiga falasse

A minha casa de agora mais parece no topo de uma montanha. E não é que é? Lisboa tem montanhas? São montanhas as montanhas de Lisboa? Então vivo numa montanha.

 Vivo numa casa numa montanha cercada de árvores. E não é que vivo? Lisboa tem montanhas com árvores? São árvores as árvores de Lisboa? Então vivo numa montanha com árvores.

 E nessa montanha respiro como nunca respirei porque o vento entra-me pela boca adentro. Lisboa tem vento? É vento o vento de Lisboa? Então respiro como nunca respirei.

Volto ao que me trouxe aqui.

(Lá fora as árvores resfolegam).

TInha um amigo de infância mudo.

No silêncio a que me acostumava, havia qualquer coisa de inquietante e de inquieto.

Um insecto mudo.

Uma formiga muda.

Que pára.

Não, a formiga nunca pára. Mas se parasse.

Se parasse e olhasse para mim.

Então eu no aspecto dela encontraria o que me inquietasse.

 E a mudez dela eu tomo-a como certa. Mas se falasse. Mas se nunca antes tivesse falado. Mas que pudesse falar.

Então essa formiga seria como o meu amigo.

O meu amigo também era laborioso como a formiga a procurar alimento.

Nisto tudo era como a formiga que descrevo.

Claro, sabem que não posso ser amigo de um insecto. E que tinha ele de insecto se humano?

A mudez.

Intercalada com palavras.

Mas mudas.

Mudas porque as palavras dele queriam ser mudas.

Queriam não falar. Imaginam o que uma formiga pudesse dizer, se dissesse coisa alguma? Imagino agora que diria algo no avesso de tão pleno quanto um silêncio mudo. Imagino que diria coisas de maravilha, de espanto.

E não é que as dizia?

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