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Melhor É Impossível

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Catarina pede um elogio depois de Tiago a ofender brutalmente. Tiago promete um elogio, mas não sem antes pedir dois pregos e duas imperiais.    TIAGO Mal passados? CATARINA Pode ser. TIAGO  (grita) Mal passados CATARINA Tenho tanto medo que vás dizer mais coisas horríveis. TIAGO Não sejas pessimista. Não é o teu estilo. Aqui vai...  Eu tenho esta... quê? Condição... E o meu terapeuta - um psicólogo - que costumo ver... ele diz que na minha situação arriscares para te sentires vivo ajuda. Eu odeio arriscar. Odeio mesmo. É uma coisa perigosa, arriscar. Nota que estou a usar a palavra odiar. E o meu elogio, a ti, Catarina Trindade, é que desde que te conheço que, bem,  mal durmo, ando às voltas na cama, não tenho sossego, não como, tudo por tua culpa... CATARINA  (confusa) Não percebo qual é o elogio... TIAGO Tu fazes-me querer estar vivo.     Catarina fica embevecida. EMPREGADO DE MESA Olhós preguinhos, um para a senhora e um para o senhor!                                E duas imperiai

Esplendor na Relva

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    O filme chama-se Splendor In The Grass.        É estranho, mas tenho tão pouco a dizer, parece, sobre este magnífico filme. É tão bonito. É importante dizer que ter pouca coisa a dizer sobre este filme diz muito sobre mim e pouco sobre o filme. O filme poderia gerar as mais belas homenagens, mas quando eu estou perante o imensamente belo, a melhor forma que encontro de o respeitar é ficar mudo e contemplar. Dado que não posso mostrá-lo e que a ideia aqui é emular o filme em palavras, vou tentar o meu melhor para que, pelo menos, tenham a curiosidade de ir ver o filme, sendo que aí o filme fará o seu trabalho e vos arrebatará, tenho a certeza.     Não posso falar sobre as minudências do filme. Mas posso dizer que é sobre um rapaz e uma rapariga a caminho de se tornarem homem e mulher. Que nunca vi amor tão puro, tão genuíno como o que eles sentem um pelo outro. Que nós amamos Deanie, mas nunca ousamos sequer querer tirar o lugar a Bud, porque ela é dele e ele é dela. Não tomamos as

Sobre as nossas limitações

            Quero falar sobre o que nos é proibido. O que eu queria dizer é que nestas coisas que nos limitam as possibilidades de acção, o mais difícil de tudo é aceitar a própria limitação. Eu posso passar uma vida inteira sem comer, sei lá, avelãs, mas se me disserem que não posso comer avelãs a minha vida inteira, então só quero avelãs. E o que eu tenho a dizer é: avelãs não são assim tão boas. É a "satisfação" de comer uma coisa que me é proibida que é boa. É fome do proibido. Assim como não pode existir vida sem a possibilidade de suicídio e sem a possibilidade de morrer, não podemos viver sem a possibilidade de provarmos o proibido ou de alguma coisa nos poder ser proibida. Não podemos viver provando a morte, mas podemos prová-la uma vez. Se é que a provamos. E é engraçado... Quase toda a gente aceita essa suprema limitação, de que não podemos provar a morte e continuar vivos.   Mas já as avelãs? As pequenas coisas que nos são proibidas? São muito mais difíceis

Olivia De Havilland novamente

  Se A Herdeira é um filme brilhante, que dizer de A Minha História ( Hold Back the Dawn) ? Mais uma vez são assunto os inocentes e os injuriados. Explicar porque gosto deste filme é um pouco como explicar uma memória de grande afecto nossa. De um momento em que amámos. Por mais razão que se ponha na explicação, não é com ela que vamos lá. O afecto é indizível. E eu sinto um afecto incomensurável pela memória que tenho da Emmy Brown.   A Emmy Brown está apaixonada. A Emmy Brown só se quer casar. A Emmy Brown foi enganada a isso. E pelo meio, o facínora (o actor Charles Boyer) enobrece-se. Pelo meio, alguém muda. Alguém muda. Com o tempo, as pessoas vão-se conhecendo. Com o tempo, pouco mudam. Tornam-se resistentes à mudança. Mas há quem seja areia de praia e não rochedo. Há quem nunca se defina. Quem fique no limbo e ninguém os conhece verdadeiramente. Nem eles a si próprios. Por isso, muitos dizem que as pessoas não mudam. Mas mudam se abrirem constantemente a porta à muda

O Feitiço do Tempo (Groundhog day) e o Xadrez

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   [ TEXTO PUBLICADO NA AXL - o pedido era que falasse sobre cinema e xadrez ] Vou falar mais uma vez sobre xadrez e sobre um filme que nada tem a ver com xadrez. Aparentemente. Tenho de fazer a minha defesa. O xadrez não é simplesmente um tabuleiro com peças. Não é simplesmente saber fazer a melhor jogada. Não é simplesmente aprender com os erros. Não somos máquinas. E não é simplesmente ganhar um jogo. Gosto muito de xadrez. Apela ao meu lado competitivo. E gosto muito de cinema, sendo essa a minha grande paixão. Pediram-me um texto para publicar na AXL que se calhar não é o mais adequado. É o texto que eu tenho. Se se ajusta digam-me vocês. O filme chama-se “O Feitiço do Tempo” (“Groundhog Day”, 1993; Realização:   Harold Ramis; História: Danny Rubin; Argumento: Danny Rubin e Harold Ramis; Actores: Bill Murray, Andy MacDowell, Chris Elliot). O que acontece no filme é que o protagonista fica preso no mesmo dia. O mesmo dia parece repetir-se. As mesmas acções repetem-se da parte

Em torno de Pessoa

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     Poema que escrevi em torno de uma admirável quadra de Fernando Pessoa a propósito de um conto que estou a escrever. A quadra dele é para mim evidente qual é, visto que todo o resto do poema é uma tentativa de elevar essa quadra mais alto, só conseguindo construir um suporte que acho que não o engrandece. A quadra magnânima dele é a do moinho de café. Tudo o resto é meu, mas em torno de Pessoa, levado por ele a imaginar como poderia ele escrever outras quadras fosse não só aquela linda quadra estar sozinha. Exercício Pessoano  O alambique de aguardente Destila bagaço e faz dele ouro. O ouro líquido que não mente Que torna tudo nada duradouro.  A trituradora de tabaco   Desfaz folhas e faz dele fumo.  O fumo da memória qu’ataco  Que da treva escura exumo       O moinho de café  Mói grãos e faz deles pó.  O pó que a minh’alma é  Moeu quem me deixa só.  Absorto no Martinho da Arcada   Trago um cigarro e no meu café um cheiro  Entrevejo, ao longe, uma saia encarnada  Traço de ti, cedo

O porquê do nome deste blog

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            Míchkin é a personagem principal do romance O Idiota de Dostoiévski. Não consegui parar de o ler. Nunca mais o reli, infelizmente. Ando a adiá-lo há muito tempo porque o ofereci e nunca mais o voltei a comprar. Li aquele calhamaço em dois dias. Dia, noite e madrugada. Não parei. Míchkin  tem muitas ideias e acredita nelas piamente. O problema é que ele não olha a quem as diz. Diz com a mesma ingenuidade o que lhe vai na alma ao carniceiro como diz aos seus amores.       Míchkin não deixou descendência. Daí o título. Somos nós a sua prole. Somos filhos de Míchkin. Vimos dessa linhagem dos que dizem o que lhes vai na alma. E sofremos com isso, sim. Mas dizemo-lo porque não há como não o dizer. Porque é de nós.