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A mostrar mensagens de outubro, 2024

Pai

Hoje liguei-lhe e ele tinha o telemóvel desligado que nunca tem. E pensei que tivesse sido a morte anunciada. E liguei mais tarde e atendeu e não consegui não desatar a chorar compulsivamente. E disse-me "Não chores, eu estou bem." E como não parava disse "Tens a vida pela frente, porque és bom.". E que viesse lá jantar, que veríamos o jogo de futebol. O meu pai que me mostrou música de que gosta e de que também tanto gosto e que gosta de tanta coisa de que gosta porque é bom de gostar e como eu gosto dele por ele ser assim, tão boa gente. É tão bondoso que tenho medo que toda a bondade do mundo se esgote com o desaparecimento dele. Vou chorar um mar inteiro, se isso acontecer, ó Deus.      Nada do que possa dizer que ele diga aqui ou ali ou faça ou não diz do que ele é, porque ele é tão somente candura em pessoa, espírito sagrado, bondade pura, e é isso que é ele. O meu pai é alto em tamanho, mas é como o céu em pessoa. Por tudo isto, entendam que eu chore. A ideia

"Convicções profundas, só as têm as criaturas superficiais"

O mal destes tempos parece ser o anelar geral destas gentes para resolver a humanidade num gesto, numa vida, numa centelha. O problema não é a estátua do Churchill (o tema não está datado) estar sei lá onde.   O problema não é a humanidade não estar à altura de resolver as suas contradições aqui e agora.  Não somos senão transitórios. Não tem resolução isto a não ser aceitar a transição e sermos transitórios! Não somos melhores que os nossos pais, pátrios, falhamos em não querer ser o que eles são tanto quanto nós: transitórios! Há sempre uma parte que a manta não cobre.   Queremos nós com a nossa erudição mudar uma língua (vede acordo ortográfico, vede modificações do género neutro).      Deixar de lutar em guerras (Somos pela paz, mas não se encontra uma causa justa que seja? Não há nada que vos faça lutar? Não encontram guerras justas? Se há um lado injusto que guerreia, não é forçado o inocente a lutar?).      Deixar de ir votar (São todos iguais, não é? Mas não é que a ideia encer

Lá fora as árvores resfolegam

  Lá fora as árvores resfolegam Volto a este verso que já escrevi porque o vento é muito lá fora As árvores parecem como cavalos que não querem ser domados E o vento o espírito que as move E porque o dia parece que se repete   O céu que está cinzento e escuro Que está a prometer chuva Mas que não se esvai Parece como eu em suspenso   Há dias que suspiro por sol Céu azul Praia que não vi Coisas que não vivi   Luz, azul, vida, a calma do mar a chegar à praia   Eu e o céu em suspenso À espera de que água venha Limpar  Sarar Alimentar   Li algures que se colhe o trigo também agora É ainda só promessa de alimento  E o céu só promessa de chuva E o vento o meu espírito E as árvores falam por mim   Agora que escrevi tudo isto Quero praguejar no verso seguinte Quero escrever o que quero fazer ou quero fazê-lo no verso? Mandar tudo à fava, este texto, o verso, comigo dentro: numa coisa menos própria.   Sublimar-me e ao céu e ao trigo não era bem o que eu queria Queria mesmo sim, sair destes vers

Rir É O Melhor Remédio

Vi um filme aviltante na Cinemateca. Lembrou-me de porque é que o cinema tem de ser visto em sala (neste caso foi na esplanada). No fim, fomos conduzidos a um final atroz, depois de um massacre de duas horas na personagem, em nós. E uma mulher na esplanada deu uma sonora e salvadora gargalhada. Lapidar. Lavou. Esbofeteou. O filme é o Direito do Mais Forte à Liberdade do Fassbinder. Uma merda aviltante. Então não é que é a história de um roubo de duas horas? Em que só se é roubado, despojado. E não é que não tenho peninha nenhuma e era suposto ter? E não é que é suposto ser o que não é durante duas horas? E é tudo feio. Saio da Cinemateca e leio a folha de sala do filme: não surpreendeu, era tão má quanto o filme. Um tal de António Rodrigues. Miserável. Guardo a gargalhada. Bendita mulher. P.S: devia ter reparado no título do filme.

Normopatas

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          A coisa mais anormal nele era, sem dúvida, toda a normalidade com que se apresentava, com que conduzia a vida. Não parecia haver ânsia que o incomodasse, porque não desejava nada a não ser assemelhar-se, dúvida que ignorasse, por não querer saber nada que não soubesse já. Quando ria, procurava rir normalmente, notava-se que controlava a gargalhada. Quando se lhe tirava uma fotografia, nunca, por uma vez, se o apanhou sem estar de sorriso estampado na cara. Se lhe perguntavam se era feliz, dizia a banalidade mais recente que tinha visto sobre o assunto, mascarada de profunda. Dizia votar em certo partido, porque era da família votar em certo partido. Se ainda se achava que havia mistério e perguntava-se-lhe em que partido tinha votado no dia certo às horas certas, como se quer o voto, respondia que o voto era secreto. E a primeira e segunda coisa não se podiam ligar. Era de esquerda ou de direita à esquerda porque era da praxe.           Queria dinheiro, mais do que