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Sobre a Direita das Novas Certezas

     O espírito da democracia é de esquerda. Foram concessões das direitas à esquerda para não se redundar em guerras incessantes, foi o meio encontrado pela esquerda para legitimar as suas pretensões, são concessões da esquerda à direita e da direita à esquerda para não se redundar em autoritarismos. No caso português, acontece isto claramente. Quem de direita tinha também de dizer "pá" para ser ouvido. O nosso paradigma é de esquerda. E isto está a mudar. O novo punk é um miúdo de direita. A direita está na moda. Ser careta é ser de esquerda. Ser mesmo muito punk é ser chegano.      Tudo bem com isto. Os miúdos têm a resposta na ponta da língua a todas as respostas da esquerda para desmontar uma notícia. Têm sempre a resposta na ponta da língua para desmascarar sobretudo uma coisa: que a esquerda está à deriva. E que eles têm onde atracar.      E aqui é que entra o meu problema. Eu ao contrário de muita gente, estou bem a lixar-me para o meu vizinho. Aquele que me é estran

o sentido das coisas

quando o silêncio da noite sublinha a noite quando a noite escurece o dia e escureço um pouco quando o céu acarvoado não chove e desaba depois quando se mostram as estrelas num dia no campo  quando a água do mar baptiza o pecado quando o sol encarniçado aquece a pele quando numa igreja o som é milenar e sinaliza o agora quando chegamos a casa depois de estar fora quando uma palavra é palavra e Deus que era o verbo, o verbo que era Deus.  

Pão

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 Há quem pobre (de espírito) que coma só pão (de futebol).  Há quem mais rico (de espírito) que veja nisto uma coisa reprovável.  Há quem também pobre (de espírito) que não coma pão (de futebol).  Há quem rico (de espírito) e pobre (de dinheiro) que não coma pão (de futebol).  Há quem rico (de dinheiro) e pobre (de espírito) que não coma pão (de futebol).  Eu  cá  gosto  de  pão  .

Viver Inspirado

     Quero dizer que no que faço tenho, sim, 90% de trabalho e 10% de talento, mas que nesses 90% de trabalho tenho deles 90% de inspiração, e assim sucessivamente.      Viva a vida inspirada!

Pai

Hoje liguei-lhe e ele tinha o telemóvel desligado que nunca tem. E pensei que tivesse sido a morte anunciada. E liguei mais tarde e atendeu e não consegui não desatar a chorar compulsivamente. E disse-me "Não chores, eu estou bem." E como não parava disse "Tens a vida pela frente, porque és bom.". E que viesse lá jantar, que veríamos o jogo de futebol. O meu pai que me mostrou música de que gosta e de que também tanto gosto e que gosta de tanta coisa de que gosta porque é bom de gostar e como eu gosto dele por ele ser assim, tão boa gente. É tão bondoso que tenho medo que toda a bondade do mundo se esgote com o desaparecimento dele. Vou chorar um mar inteiro, se isso acontecer, ó Deus.      Nada do que possa dizer que ele diga aqui ou ali ou faça ou não diz do que ele é, porque ele é tão somente candura em pessoa, espírito sagrado, bondade pura, e é isso que é ele. O meu pai é alto em tamanho, mas é como o céu em pessoa. Por tudo isto, entendam que eu chore. A ideia

"Convicções profundas, só as têm as criaturas superficiais"

          O mal destes tempos parece ser o anelar geral destas gentes para resolver a humanidade num gesto, numa vida, numa centelha.           O problema não é a estátua do Churchill estar sei lá onde.           O problema não é a humanidade não estar à altura de resolver as suas contradições aqui e agora.  Não somos senão transitórios. Não tem resolução isto a não ser aceitar a transição e sermos transitórios! Não somos melhores que os nossos pais, pátrios, falhamos em não querer ser o que eles são tanto quanto nós: transitórios! Há sempre uma parte que a manta não cobre.                 Queremos nós com a nossa erudição mudar uma língua.           Deixar de lutar em guerras. Somos pela paz, mas não se encontra uma causa justa que seja? Não há nada que vos faça lutar? Não encontram guerras justas? Se há um lado injusto que guerreia, não é forçado o inocente a lutar?           Queremos nós agora julgar o pouco que se diz pelo todo.             Para rematar porque tudo isto não pode se

Lá fora as árvores resfolegam

  Lá fora as árvores resfolegam Volto a este verso que já escrevi porque o vento é muito lá fora As árvores parecem como cavalos que não querem ser domados E o vento o espírito que as move E porque o dia parece que se repete   O céu que está cinzento e escuro Que está a prometer chuva Mas que não se esvai Parece como eu em suspenso   Há dias que suspiro por sol Céu azul Praia que não vi Coisas que não vivi   Luz, azul, vida, a calma do mar a chegar à praia   Eu e o céu em suspenso À espera de que água venha Limpar  Sarar Alimentar   Li algures que se colhe o trigo também agora É ainda só promessa de alimento  E o céu só promessa de chuva E o vento o meu espírito E as árvores falam por mim   Agora que escrevi tudo isto Quero praguejar no verso seguinte Quero escrever o que quero fazer ou quero fazê-lo no verso? Mandar tudo à fava, este texto, o verso, comigo dentro: numa coisa menos própria.   Sublimar-me e ao céu e ao trigo não era bem o que eu queria Queria mesmo sim, sair destes vers

Rir É O Melhor Remédio

Vi um filme aviltante na Cinemateca. Lembrou-me de porque é que o cinema tem de ser visto em sala (neste caso foi na esplanada). No fim, fomos conduzidos a um final atroz, depois de um massacre de duas horas na personagem, em nós. E uma mulher na esplanada deu uma sonora e salvadora gargalhada. Lapidar. Lavou. Esbofeteou. O filme é o Direito do Mais Forte à Liberdade do Fassbinder. Uma merda aviltante. Então não é que é a história de um roubo de duas horas? Em que só se é roubado, despojado. E não é que não tenho peninha nenhuma e era suposto ter? E não é que é suposto ser o que não é durante duas horas? E é tudo feio. Saio da Cinemateca e leio a folha de sala do filme: não surpreendeu, era tão má quanto o filme. Um tal de António Rodrigues. Miserável. Guardo a gargalhada. Bendita mulher. P.S: devia ter reparado no título do filme.

Normopatas

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          A coisa mais anormal nele era, sem dúvida, toda a normalidade com que se apresentava, com que conduzia a vida. Não parecia haver ânsia que o incomodasse, porque não desejava nada a não ser assemelhar-se, dúvida que ignorasse, por não querer saber nada que não soubesse já. Quando ria, procurava rir normalmente, notava-se que controlava a gargalhada. Quando se lhe tirava uma fotografia, nunca, por uma vez, se o apanhou sem estar de sorriso estampado na cara. Se lhe perguntavam se era feliz, dizia a banalidade mais recente que tinha visto sobre o assunto, mascarada de profunda. Dizia votar em certo partido, porque era da família votar em certo partido. Se ainda se achava que havia mistério e perguntava-se-lhe em que partido tinha votado no dia certo às horas certas, como se quer o voto, respondia que o voto era secreto. E a primeira e segunda coisa não se podiam ligar. Era de esquerda ou de direita à esquerda porque era da praxe.           Queria dinheiro, mais do que

Lave

A palavra amor deve ser usada com parcimónia. A palavra love deve ser igualmente usada com parcimónia. Não devemos achar que por estar mascarada a palavra de estrangeirismo que mereça menos. Até porque em inglês até parece uma ordem. Foi assim que vi plasmada numa parede com passarinhos por cima e em tom de rosa a palavra love num bar. Coisa que muito me chateou. Até porque naquele momento o que mais me apetecia era odiar. Odiar a pessoa que teve a ideia de fazer aquilo. Porque é reservado à pessoa a altura em que ama, em que desama, porque essas alturas são delas, e ninguém tem dúvidas de que é bom amar, mas sem dúvida que quem ama sabe reservar para si momentos em que desama. Só a pessoa que tem noção do comum sabe o que tem de extraordinário um milagre. O ordinário não é amar. É muita coisa, mas não é amar. Vai mandar amar a tua tia.

Cigarros

Num cigarro temos todos os condimentos para uma boa vida. Controlamos quando morremos um pouco. Controlamos, claro, freando a morte contida num cigarro, quando vivemos. Só sei viver com este travão.      

Músicas Que Marcam o Passo

Às vezes, vivo à boleia de uma música durante dias, semanas. Às vezes é uma rapariga que ma traz, às vezes é alguma coisa de nada. Há aquelas músicas de sempre que nunca enjoam. Mas! As músicas que marcam o passo têm outra coisa. Quando as descobrimos ainda não sabemos que o são. E quando o são tornam o acordar mais fácil. Tudo mais fácil. Às vezes sonho quando oiço uma música assim que o mundo a vive comigo por osmose. Benditos phones, invenção maravilhosa. Quantos de nós vêem no passo de uma rapariga uma jinga diferente porque estão a ouvir a Rock & Roll dos Velvet Underground quando o sol brilha e o autocarro nos leva a um sítio inevitavelmente longe de para onde queremos ir? Estamos numa praia qualquer de azul e amarelo. E esperar pela noite, como esperei, para ouvi-la novamente, à música. E escrever certo de que tudo isto é passageiro. E de que é bom que o seja. Porque é bom porque o é.     Às vezes apetece-me engolir o mundo, tal é a voracidade.

Se uma formiga falasse

A minha casa de agora mais parece no topo de uma montanha. E não é que é? Lisboa tem montanhas? São montanhas as montanhas de Lisboa? Então vivo numa montanha.  Vivo numa casa numa montanha cercada de árvores. E não é que vivo? Lisboa tem montanhas com árvores? São árvores as árvores de Lisboa? Então vivo numa montanha com árvores.  E nessa montanha respiro como nunca respirei porque o vento entra-me pela boca adentro. Lisboa tem vento? É vento o vento de Lisboa? Então respiro como nunca respirei. Volto ao que me trouxe aqui. (Lá fora as árvores resfolegam). TInha um amigo de infância mudo. No silêncio a que me acostumava, havia qualquer coisa de inquietante e de inquieto. Um insecto mudo. Uma formiga muda. Que pára. Não, a formiga nunca pára. Mas se parasse. Se parasse e olhasse para mim. Então eu no aspecto dela encontraria o que me inquietasse.  E a mudez dela eu tomo-a como certa. Mas se falasse. Mas se nunca antes tivesse falado. Mas que pudesse falar. Então essa formiga seria com

  Li numa crónica de Bénard da Costa uma ideia que me ficou demasiado redonda na cabeça e demasiado simples: a de que Deus é terrível por ser tão pouco humanamente entendível, foi assim tão pouco complexa que me ficou na cabeça. O texto era um pouco mais do que isto. Havia ainda outra ideia, que simples me ficou, de que o sofrimento humano é muito humano, e que não encontra explicação nas razões divinas. Quis depois saber porque me pareceram estas duas ideias tão fortes. Há o óbvio chutar para canto, que é tão simples como dizer que Deus é insondável, que não se rege pelas nossas razões. E atacando Deus como terrível, defende-se também do ataque as outras qualidades que atribuímos a Deus. Como dizia a minha avó "É mau como as cobras, mas tem bom coração". O que diz isto da minha avó é que também ela atacava de quem gostava, para poder depois gostar dessa pessoa à vontade. Entrava de estalada para depois defender de fazerem mal ao atacado. E que diz isto da minha avó e de Béna

Capitalismo

Numa noite de poesia, num sítio pretensioso, alguém se levantou para dizer um poema.  Não era um poema que se esperasse.  Era A Cabritinha do Quim Barreiros. E disse.  E nada foi conseguido. Nada foi ridicularizado. Ninguém se sentiu insultado. Ninguém enfiou carapuça nenhuma.  Porque, enfim, qual ridículo? Qual insulto? Qual carapuça? Como qualquer coisa imune à subversão, incorporada a subversão no seu sistema, nada a destrói. A meio, no poema, fraquejava, mas leu-o. No fim, no refrão, foi acompanhado em uníssono pela plateia.

Uma ameixoeira de flor branca

Ser conservador ou ser coisa alguma. Ser da casa ou ser da rua.  Ser daqui ou de lado nenhum. Escolho decididamente  a ignorância de não querer saber  mais do que o que floriu no meu quintal. Escolho  decididamente  ser pela aparente fixação do olhar  do que aspirar a absorver a impermanência. Quero dizer  aos que fogem que a prisão das suas casas continua em qualquer lado. Quero dizer  aos que fogem  que a cela de portas abertas  precisa de ser destruída. E nisto tudo  há uma tristeza permanente  à porta da minha casa porque ninguém fugiu  ninguém destruiu e dizem-me que encontraram agora  chão de betão armado onde vi florir ainda há pouco  uma ameixoeira de fruto amarelo.

Glória

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Quis ser grande. Para seres grande sê inteiro, diz o outro, a besta metafísica. Pergunto-me: Como Jesus? Como ninguém nunca foi, julgo ouvir o outro, a besta metafísica. Como nunca eu fui? Inaudito, como se nunca houvesse soado e, no entanto, familiar. Para quem? Para os vindouros. Somente para os vindouros.

O Inglês Quer Estar

  Esplanada de Campo de Ourique gerida por duas francesas. Estou eu em meditações sobre nunca ter pedido nenhuma Lisboa assim. Mal saí de Portugal. Sabia onde queria estar. Gostava desta cidade. Gostava quando não era polida. Quando não sabia receber. Quando era portuguesa. Nisto chega uma dondoca de meia-idade de Campo de Ourique ao café. Pede um gelado. Para a mãe. Tem um cão com ela. Chama-se Prego. Tudo isto sei pela interacção que tem com um rapaz que também tem um cão. Cachorro. Vai ficar cá. Porque é francês e porque o cão é cachorro.   A senhora diz que o cão é mau mas que com este se dá bem. Diz que estranhamente. À minha frente tenho um senhor inglês curioso que pede a ementa toda.   Sei que está de passagem, porque também comprou uma camisa que só compram as pessoas de passagem e porque pede a ementa toda. Sei que é curioso porque lhe despertei a curiosidade. Ele também me desperta a mim. Ele é um típico english man velho. Tem um chapéu que um inglês usaria em Espanha, no ca

Quando Tinha Boas Notas

Quando o meu pai estudava comigo Eu tinha boas notas E quando o meu pai estudava comigo A televisão estava ligada. Quando o meu pai estudava comigo Eu tinha boas notas Porque a televisão estava ligada  E o meu pai não se importava. Era frequente quando o meu pai estudava comigo Distrair-me para ficar fascinado com as imagens da televisão O meu pai pedia atenção e eu voltava ao estudo E por isso tinha boas notas. Lembro-me como se fosse ontem Da candura do meu pai Quando estudava comigo Para que eu tivesse boas notas. Agora falamos ao telefone Sobre a actualidade E o meu pai candidamente Estuda comigo a realidade. E quando está mais doente E não pode falar ao telefone Pergunto-me se ontem terá sido a última vez Em que tenhamos estudado alguma coisa juntos.

Poema ao Jeito da Adília Lopes

Quem está mal mude-se. Dizem frequentemente os maus.

Pessoa Fernando

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  Não sou nada Nunca serei nada. Não posso querer ser nada. À parte isso, tenho em mim todos os sonhos do mundo. Fernando Pessoa Não sou tudo. Nunca serei tudo. Não posso querer ser tudo. À parte isso, tenho em mim todos os medos do mundo. Pessoa Fernando

Sobre psicoterapia

Sabe um elefante que é magnânimo? Sabe um leão que é feroz? Sabe uma formiga que é trabalhadora? Sabem sê-lo e por isso são-no ou são-no-lo simplesmente? Posso eu ser mais do que eu próprio? Posso saber eu quem sou e mudar quem sou mediante a minha vontade? Posso eu ter noção de quem eu sou porque me posso ver no reflexo de um lago? Ou no reflexo dos olhos do outro?  Estas são as questões de quem embarca por uma terapia. E a resposta que pretendemos dar a todas estas questões é sempre a mesma: Sim. Saber o que somos ajuda-nos a não limitarmo-nos ao que repetimos involuntariamente. Ajuda-nos a não ser involuntários. Não sendo involuntário, é consciente. Sendo consciente, é alterável.  

M

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Olhei para mim mesmo e vi abismo Vi glória ao virar da esquina Vi qualquer coisa que me escapa Porque o sou e não penso que o sou Vi-me a mim e vi-me triste Porque sou triste se não Sou ao mesmo tempo que me vejo Porque não sou o que sou para os outros O que sou é bom de ser para os outros E tenho pena de não me ter para mim Quando me vejo a mim a olhar para mim triste E ter alguém que não eu  A dizer que gosta muito de mim E nesse momento ser pleno Porque te tenho a ti.

Miradouro da Peninha

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Miradouro da Peninha e o céu confundia-se com a terra O mar era céu e o céu era mar. Era tudo cheio, tudo pleno, tudo em completude. Miradouro da Peninha, o céu confundia-se com a terra e eu cheio de pena Porque não te tinha a ti

Maria Reis

 Gosto muito da Maria Reis. Afinidade estética, emocional, musical. Houve um dia em que um amigo meu disse que me estava a comportar como um fã desmesurado a conhecer uma "estrela" quando houve a oportunidade de a ver e conhecer. Oh, mas as Pega Monstro são grandes. E começa logo pelo nome. Aquele objecto meu de infância que acabava na cara dos amigos e nos tectos das aulas. Como memória de infância é uma memória de alegria. De saudade. De paz. E saltamos para a música. No que fazem, que é música, que é palavra, são grandes. Mostraram-me o poema "O moinho de café/ Mói grãos e faz deles pó/ O pó que a minha alma é/ Moeu quem me deixou só" de Fernando Pessoa tão bem musicado.  Mais do que tudo isto, sei que gosto dela sem que ela goste de mim. E nisto comporto-me como qualquer fã. Ah, mas eu acho que gosto dela de maneira diferente. Gosto porque no momento em que ela é grande, só eu me apercebo de que está a ser grande, e é um momento nosso, embora seja só meu, mas no

Será este texto à moda da Adília Lopes

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 Pensei nesta ideia: É preciso ensaiar ser-se ridículo para se saber ser sério. E pensei na Adília Lopes, como se fosse uma coisa que dissesse, mas depois de reflectido, não parecia. Depois pensei melhor: fosse ela a dizê-lo, como diria? E comecei a escrever o seguinte poema: Saí à rua e desci a Avenida de Liberdade a 24 de Abril. Dormi bem nesse dia. Acordei no dia seguinte e comi amoras, porque são boas. Liguei a televisão e estava muita gente a descer a Avenida da Liberdade. Saí imediatamente à rua, para comprar mais amoras. Dormi bem nesse dia, segura de que teria amoras no dia seguinte. Depois, acordei e fui ao supermercado e às lojas e aos cafés, para ver se toda a gente tinha comprado e comido amoras, porque são boas. Não reparei numa procura anormal pelas amoras.  Agora que concretizei o poema a pensar na Adília Lopes, penso que a única coisa que queria era escrever um poema à laia da Adília Lopes, e que a ideia inicial que me fez pensar nela, nada tinha que ver com ela, mas qu

Marvin Gaye

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Para os tristes com a vida, para os que dançam na penumbra, para os que dançam sozinhos mas nunca com gente, para os que dançam só quando a pista de dança está vazia, para os que dançam por dentro, fervilham e afogam a vontade num copo, para todos que são uma só pessoa, deixo esta música: I used to go out to parties, and stand around 'Cause I was too nervous, to really get down But my body yearned to be free I got up on the floor, somebody could choose me No more standin' there beside the walls Finally got myself together, baby, and I'm havin' a ball Long as you're groovin', there's always a chance Somebody watchin' might wanna make romance Move your body, ooh baby, you dance all night To the groove and feel alright Everybody's groovin' on like a fool But if you see me, spread out and let me in Baby, just party high and low Let me step into your erotic zone Move it up, turn it 'round Ooo, shake it down Oww, you can love me when you want to, b

I Came to Your Party Dressed As A Shadow - Piano Magic

Vim à tua festa vestida de sombra Sem tu nunca saberes, nunca soubeste Deslizei pelos corredores como uma onda de veludo Tão calada quanto um palco vazio Escureci-te os olhos e roubei-te a luz do copo Mas ao raiar da manhã queda e fria Espraiei-me como um papagaio-de-morte na tua relva Vim à tua festa vestida de sombra Sem ser convidada, sem um motivo Arrumei a três ruas da lua A caminhada doce até tua casa num fio prateado Dançavas no jardim ao ritmo de uma lata Furtiva deslizei pelas notas Remetendo-as para a madrugada Isto é sintomático de nós os dois: Tenho cheios frascos do teu hálito Tenho conchas das tuas palavras Mas tu não tens nada meu Senão um espaço onde eu ficaria Tradução de letra da música I Came to Your Party Dressed As A Shadow dos Piano Magic

O Ventura é ditador

A coisa que mais me deu asco que o Ventura disse pode ser uma surpresa para alguns, já que ele prima por aí. A coisa que mais me deu asco foi ele ter descrito a pessoa que recebe este subsídio como a pessoa que o gasta em uísque e tabaco e drogas, como se fosse uma coisa reprovável e sobre a qual se queira ter controlo. E a coisa que mais me deu asco não tem nada a ver com ser a favor ou contra gastar o dinheiro que se recebe em uísque ou tabaco ou drogas, tem a ver com alguém querer limitar a liberdade de alguém gastar o dinheiro que tem em seja o que for o que lhe dá na real veneta. Isto deve enfurecer qualquer pessoa. Penso, como oposição a isto, no filme de João César Monteiro, em que a personagem João de Deus, ao receber uma quantia choruda oferecida por um louco, que, por ser em dinheiro vivo, torna-se a maquia ainda mais pujante, diz, sinceramente e malandro, que a vai gastar mal gasta. Engraçado que nunca até hoje tinha pensado nisto como mais do que uma piada. E no filme é o q

Blade Runner

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    "I've seen things... seen things you little people wouldn't believe. Attack ships on fire off the shoulder of Orion bright as magnesium... I rode on the back decks of a blinker and watched C-beams glitter in the dark near the Tannhäuser Gate. All those moments... they'll be gone... like tears in the rain. Time to die."     Esta é a fala final de um andróide no filme Blade Runner de que eu muito gosto. Como ele é algo de estranho a um humano, não intuímos isto como vindo de uma pessoa. Mas isto é o final de vida de qualquer pessoa que teve glória e que lamenta que o que viveu se vai perder. Não é a vida senão deixar memória de nós no mundo? Alcançar glória para lá de nós? Não temos todos nós perfeita noção de que a vida é transitória e de que temos de fazer obra? Sejam crianças, construir casas, plantar uma árvore ou simplesmente ser lembrado por quem fomos, seja o que for que demore um pouco mais a desaparecer.      E o facto de dizer "vi coisas que vocês

Zorba, O Grego

     Passa-se numa ilha, Creta, em que os intervenientes são bem demarcados, o povo comporta-se como povo estanque, comportamentos em uníssono sempre. Só umas poucas personagens são caracterizadas. O terreno é árido. Tudo ali tem pouca vida. E o mar que circunda a ilha asfixia o espectador. Zorba, o grego, podia estar ali como podia estar em qualquer sítio, porque vai aonde a vida o leva. O inglês que lá vai, vai porque não importa onde está, nunca vive lugar nenhum. O inglês não vive. Vive na redoma em que os livros o cobrem. Zorba tira-lhe os olhos dos livros. E tentam um feito em conjunto.      Com este filme, não é suposto passar-se um bom bocado. Como digo, tudo é árido. Não há nada verde. Nem as árvores são verdes. Tudo está sempre quente. O que o filme quer dizer talvez seja que a vida é árida e que enquanto vamos em direcção ao fim, que arrisquemos viver, que arrisquemos tentar. Mesmo que falhemos. Tentar de novo. Que não nos resta senão tentar. Uma e outra vez. Que a vida não

OH, FADO! SO NICE

Engraçado isto. Até há pouco tempo, uma tez como a minha era suficiente para afastar um alemão, um inglês, um americano, etc. Um “pástéle de bacálau”, num esforço heróico de ajustamento vocal à língua do estrangeiro, dito a um deles pelo tasqueiro quando lhe perguntava o que era apontando para o pastel, bastava para afastar qualquer tipo de esperança de vir a comunicar por terras lusas. Era insuficiente para afastar outros que se estavam a lixar para isso, que só queriam tentar a sorte, mas esses não vinham, porque não haviam os alemães, os ingleses, os americanos. Neste momento, a minha tez não é suficiente para os afastar, porque não vêm sozinhos. A minha língua pouco importa porque inglês é a língua franca. Vêm apesar de mim. E nisto está o lisboeta, agrilhoado à solta, como num safari. Os animais do safari sabem que estão num safari? Ou chamam-lhe natureza? Mas não é a natureza. É um safari. A história é escrita pelos vencedores. E nós, lisboetas, já não mandamos em nada nesta cida